Mais luminol

6 de nov. de 2013

A importância das redes sociais é inegável nos dias de hoje. O acesso às tecnologias fez com que milhões de pessoas em todo o mundo, adentrassem numa nova realidade: a realidade virtual. Nela, é possível passear entre os ícones da realidade e da fantasia.


Essa nova forma de se comunicar, tem feito o mundo real parecer cada vez menor, dada à velocidade em que as informações circulam, causando impactos, positivos ou não, a quem as acessa e provocando reações em cadeia. Chocando até.

As redes sociais são o nosso momento “luminol”. Explico: O luminol é um pó - formado por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio — que é diluído em água oxigenada. Essa solução, quando borrifada nos locais suspeitos, reage em contato com o ferro presente na hemoglobina do sangue e libera uma luz azulada, suficientemente forte para ser vista no escuro.

Em audiência pública realizada no dia 22 de outubro de 2013, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, para debater o Plano Nacional de Educação, o articulista da Revista Veja, Cláudio de Moura e Castro solta a seguinte excrescência: “...um bônus para as ‘caboclinhas’ de Pernambuco e do Ceará se casarem com os engenheiros estrangeiros, porque aí eles ficam e aumenta o capital humano no Brasil, aumenta a nossa oferta de engenheiros” (sic).

As aspas saíram após o articulista defender que o PNE pudesse oferecer o tal bônus, no contexto de críticas feitas pelo fato do Plano ter a participação da sociedade civil.

Esse pensamento retrógrado, preconceituoso e atrasado, verbalizado em tom de deboche, conforme relato dos que lá estavam, vivia na escuridão. Não subia à luz. Não era visto. Salvo uma exceção ou outra, encontrava-se rastro desse pensamento, mas diante de um flagrante de preconceito ou ofensa, nunca se provava nada. Afinal, a tortura neste país nunca passou de “simples lesão corporal”.

O momento “luminol” a que nos referimos é o momento em que a sociedade ou parte dela, não tolera mais esse tipo de pensamento e assim como o composto químico, trazem à luz aquilo que porventura se quis dizer e que é extremamente ofensivo.

A democracia pressupõe exatamente isso: ter opinião e ter liberdade para expor seus pensamentos, na forma como melhor entender o cidadão. Seja ele conservador ou não. No entanto, essa mesma democracia que proporciona o direito à informação, nos traz a possibilidade de interagirmos com o que é dito, pela internet inclusive, a fim de expressarmos o que também temos a dizer a partir de falas desastrosas como a que nos referimos acima.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 trata em seu primeiro artigo da igualdade entre as pessoas: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.  

A colocação feita na audiência pública choca quando mais uma vez se apresentam os nordestinos, no caso de Pernambuco e do Ceará como mortos de fome, encostados em programas sociais e que sua única salvação seria essa “barganha” carnal com estrangeiros.

Até quando vamos ter que conviver com uma sociedade que constrói esse estereótipos e os leva pro pelourinho todos os dias, massacrando sua dignidade com a verbalização quase canibalesca, como se já que as “caboclinhas” não tem futuro, que se casem. Façam algo de “útil”.

Recentemente, uma estudante de direito foi processada por afirmar que “Nordestino não é gente” e defendia o assassinato de nordestinos por afogamento. Pasmem: a estudante foi processada por “pornografia infantil” e não por preconceito.

A ideia de que todos somos iguais precisa de fato sair do campo das ideias e da legislação para adentrar na sociedade por meio de mudanças culturais para um novo comportamento. Se há alguma vantagem nesse momento “luminol” é que inclusive a declaração da estudante foi feita em rede social e automaticamente milhares de manifestações foram feitas repudiando tal pensamento.

Como dissemos, a democracia permite que todos possamos ter nossas opiniões e expressá-las, mas essa liberdade trazida pelos ventos democráticos não são suficientes para nos proteger desse tipo de manifestação de preconceito, que quer diminuir o gay por ser gay, o negro por ser negro, a mulher por ser mulher. Até porque, os judeus foram mortos aos milhares por serem judeus, os ciganos por serem ciganos, os gays por serem gays. No entanto, evoluímos muito, e foi por esse quadro de horror que a Declaração Universal dos Direitos Humanos floresceu, mas concordemos que não evoluímos tanto. Que precisamos avançar mais.

Os nossos olhos podem sim estar num processo de atrofia que pode ser irreversível. Por que o preconceito contra o diferente, pode se tornar tão forte que você não consegue enxergar o mundo com sua beleza pelo viés da diversidade. Só conseguirá enxergar as pessoas, suas condições e qualidades, colocando-as nas caixinhas que seu olhar enrijecido se condicionou a enxergar.

E para tratar dessa atrofia, exercício e sensibilidade. Para o preconceito, educação em direitos humanos. E para esses pensamentos retrógrados, luminol. Assim, submergirão e mostrarão a face e isso sem dúvida, nos ajudará a tratar. A reagir.




* Advogado e especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.

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