A importância das redes sociais é
inegável nos dias de hoje. O acesso às tecnologias fez com que milhões de
pessoas em todo o mundo, adentrassem numa nova realidade: a realidade virtual.
Nela, é possível passear entre os ícones da realidade e da fantasia.
Essa nova forma de se comunicar,
tem feito o mundo real parecer cada vez menor, dada à velocidade em que as
informações circulam, causando impactos, positivos ou não, a quem as acessa e
provocando reações em cadeia. Chocando até.
As redes sociais são o nosso
momento “luminol”. Explico: O luminol é
um pó - formado por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio que
é diluído em água oxigenada. Essa solução, quando borrifada nos locais
suspeitos, reage em contato com o ferro presente na hemoglobina do sangue e
libera uma luz azulada, suficientemente forte para ser vista no escuro.
Em audiência pública realizada no
dia 22 de outubro de 2013, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado
Federal, para debater o Plano Nacional de Educação, o articulista da Revista
Veja, Cláudio de Moura e Castro solta a seguinte excrescência: “...um bônus
para as ‘caboclinhas’ de Pernambuco e do Ceará se casarem com os engenheiros
estrangeiros, porque aí eles ficam e aumenta o capital humano no Brasil,
aumenta a nossa oferta de engenheiros” (sic).
As aspas saíram após o
articulista defender que o PNE pudesse oferecer o tal bônus, no contexto de
críticas feitas pelo fato do Plano ter a participação da sociedade civil.
Esse pensamento retrógrado,
preconceituoso e atrasado, verbalizado em tom de deboche, conforme relato dos
que lá estavam, vivia na escuridão. Não subia à luz. Não era visto. Salvo uma
exceção ou outra, encontrava-se rastro desse pensamento, mas diante de um flagrante
de preconceito ou ofensa, nunca se provava nada. Afinal, a tortura neste país
nunca passou de “simples lesão corporal”.
O momento “luminol” a que nos
referimos é o momento em que a sociedade ou parte dela, não tolera mais esse
tipo de pensamento e assim como o composto químico, trazem à luz aquilo que
porventura se quis dizer e que é extremamente ofensivo.
A democracia pressupõe exatamente
isso: ter opinião e ter liberdade para expor seus pensamentos, na forma como
melhor entender o cidadão. Seja ele conservador ou não. No entanto, essa mesma
democracia que proporciona o direito à informação, nos traz a possibilidade de
interagirmos com o que é dito, pela internet inclusive, a fim de expressarmos o
que também temos a dizer a partir de falas desastrosas como a que nos referimos
acima.
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948 trata em seu primeiro artigo da igualdade entre as
pessoas: Todas as pessoas nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir
em relação umas às outras com espírito de fraternidade.
A colocação feita na audiência
pública choca quando mais uma vez se apresentam os nordestinos, no caso de
Pernambuco e do Ceará como mortos de fome, encostados em programas sociais e
que sua única salvação seria essa “barganha” carnal com estrangeiros.
Até quando vamos ter que conviver
com uma sociedade que constrói esse estereótipos e os leva pro pelourinho todos
os dias, massacrando sua dignidade com a verbalização quase canibalesca, como
se já que as “caboclinhas” não tem futuro, que se casem. Façam algo de “útil”.
Recentemente, uma estudante de
direito foi processada por afirmar que “Nordestino não é gente” e defendia o
assassinato de nordestinos por afogamento. Pasmem: a estudante foi processada
por “pornografia infantil” e não por preconceito.
A ideia de que todos somos iguais
precisa de fato sair do campo das ideias e da legislação para adentrar na
sociedade por meio de mudanças culturais para um novo comportamento. Se há
alguma vantagem nesse momento “luminol” é que inclusive a declaração da
estudante foi feita em rede social e automaticamente milhares de manifestações
foram feitas repudiando tal pensamento.
Como dissemos, a democracia
permite que todos possamos ter nossas opiniões e expressá-las, mas essa
liberdade trazida pelos ventos democráticos não são suficientes para nos
proteger desse tipo de manifestação de preconceito, que quer diminuir o gay por
ser gay, o negro por ser negro, a mulher por ser mulher. Até porque, os judeus
foram mortos aos milhares por serem judeus, os ciganos por serem ciganos, os
gays por serem gays. No entanto, evoluímos muito, e foi por esse quadro de
horror que a Declaração Universal dos Direitos Humanos floresceu, mas concordemos
que não evoluímos tanto. Que precisamos avançar mais.
Os nossos olhos podem sim estar
num processo de atrofia que pode ser irreversível. Por que o preconceito contra
o diferente, pode se tornar tão forte que você não consegue enxergar o mundo com
sua beleza pelo viés da diversidade. Só conseguirá enxergar as pessoas, suas
condições e qualidades, colocando-as nas caixinhas que seu olhar enrijecido se
condicionou a enxergar.
E para tratar dessa atrofia,
exercício e sensibilidade. Para o preconceito, educação em direitos humanos. E
para esses pensamentos retrógrados, luminol. Assim, submergirão e mostrarão a
face e isso sem dúvida, nos ajudará a tratar. A reagir.
* Advogado e
especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo.
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